sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

05.01.2012 - Schiphol, Amsterdam, Holanda.

Pequena crônica: 

Um dia em Amsterdam:
Estação Central – chuva, frio, lixo e caos.


                Velocidade. É a palavra que melhor define a Estação Central de Amsterdam. Talvez por que fosse uma quinta-feira regular de trabalho, talvez porque as gotas da chuva gelada queimavam impiedosamente. Ou a soma destes dois fatores com o fato de que a luz do sol (o próprio parece não ousar dar as caras) se vai às 17 horas no inverno.
                As pessoas parecem passar pelo lixo transbordado ao chão com naturalidade, a pressa parece ser mais importante. Empurrões e esbarrões aos montes, poucos pedidos de desculpa, muita correria. Apesar da impressionante, estonteante, inebriante beleza dos rostos nativos, a frieza e a solidez são mais fortes. A cidade não parece acolher nem aos seus.
                Se a fome aperta, logo ali há um fast-food qualquer. Cafés ralos podem esquentar (e nem sempre agradar) e sanduíches satisfazem a pressa do povo que por ali passa. Sem pressa nenhuma, e também sem muito dinheiro, é lá que se senta o turista pra tomar um lanche irônico: sem gosto, americano ao extremo, padronizado e engolido em meio à bela e disforme paisagem antiga de uma estação de trem europeia.             
                Em certa altura do dia, as atitudes e costumes locais deixam de impressionar. Corre-se, fala-se pouco, volta-se para o aconchego aquecido do lar em Amsterdam. Mas, de volta à ironia, ao fim do lanche já frio, uma abordagem: duas meninas procuram uma “conversa” no Burger King. Estranho quadro: dentro de uma estação, em uma lanchonete de Amsterdam, duas turistas brasileiras e duas americanas em missão discutem religião, a existência, a utilidade, a importância de um Deus.  Não, não nos convencemos da absoluta bondade de seu (nosso?)  Jesus Cristo, nem acreditamos que a crença nele possa salvar qualquer ser humano e levá-lo ao paraíso.
                Do lado de fora dessa lanchonete contraditória de Amsterdam, a chuva ainda cai – forte, gelada, imponente –, o baseado ainda é queimado pelo garoto europeu de estilo americano e, do outro lado do mundo, a fome ainda impera, fria também, mas sem pressa alguma. Ao contrário, lenta como o quê.


Pequenos detalhes:

- passagem estranha

O fato é que a história toda já começa sem pé nem cabeça. Quem, em sã consciência, compraria uma passagem pra Paris com conexão de 18 horas em Amsterdam? 18 horas de espera, na famigerada Amsterdam, não poderiam ser normais.



- desembarque

                Depois de literalmente passar aperto durante as 10 horas de voo, desembarcamos no aeroporto Schiphol lá pelas 12h30. Seguir conselho de pai nem sempre é bom, mas quando um dos poucos conselhos que ele te dá é seguir o fluxo, faça-o. Seguimos o fluxo, mas o fluxo já sabia o que fazer. Nós não.

- passagem pela imigração I

                Encontramos um guichê que, aparentemente, conferia os passaportes daqueles que desembarcam em Amsterdam. Uma linda mulher (sobre isso, discorro mais tarde) de simpatia regular (também posso falar disso daqui a pouco) nos atendeu e, com também regular paciência, recebeu a informação de que ficaríamos um só dia na Holanda, já que tínhamos um voo marcado pra Paris na manhã do dia seguinte. Contentes, ganhamos um carimbo no passaporte. Restava encontrar o trem pra sairmos do aeroporto e irmos passear por não-sei-bem-aonde (afinal, quem entende holandês levanta a mão!).

- passagem pela imigração II

                Na tentativa de deixar a área do aeroporto, tivemos que passar por outra “inspeção”.  Ao perguntarmos a um policial a exata direção do trem que finalmente nos tiraria de lá, ele deve ter notado um ar de coisa estranha, fez uma cara de “tem coisa errada” e chamou uma outra mulher. Muito de repente nossos passaportes foram parar nas mãos dela, e a gente foi parar numa cadeira onde ela nos mandou sentar.
                Vai saber o que se pensou, mas, 5 minutos depois, fomos liberadas como se nada tivesse acontecido. A impressão que fica, até aqui, é de uma recepção ao turistas sempre embrulhada de desconfiança. Ouvi com frequência a pergunta “o que pretende fazer aqui?”. Just visit, sir. We’re trying to find the train.

- para encontrar o trem - Informações Turísticas

                Tem uma linha de trem milagrosa que liga o aeroporto ao centro da cidade de fato. Depois de muito rodar, encontramos um posto de informações turísticas e, lá, sim, fomos atendidas com uma enoooorme paciência. Nossa pergunta foi exatamente: “o que posso fazer em 1 dia aqui?”. Não muito. Pegamos o trem e, em 20 minutos, chegamos à Estação Central da cidade. Mas a chuva que caia era impiedosa demais, caia no rosto e queimava, de tão gelada. E a fome também apertou.



- Burger King da estação – um fast-food encravado em uma construção antiga

                Infelizmente, é mais conveniente e confortável (para o estômago e para o bolso) deixar a culinária local de lado e pagar 5 euros em um lanche padronizado pelo mundo todo, com aquele refrigerante também padronizado e a falta de gosto tão padrão de fast-foods. Mas, não fosse isso, não teríamos tido a única – e não por isso menos interessante – conversa do dia.

- Burger King, Amsterdam, duas americanas e a religião

                No final do nosso almoço (lá pelas 16 horas!) padrão do padrão do padrão, eis que surgem duas americaninhas (também tão padronizadas!) procurando alguém pra “conversar”. Não foi surpresa quando elas disseram que eram missionárias da Igreja Batista americana, e a conversa rendeu uma boa meia hora. Duas brasileiras e duas americanas discutindo a força de Deus dentro de uma lanchonete, localizada em uma estação de trem, com a chuva caindo com força do lado de fora na cidade de Amsterdam. Parece que tem coisas que só esta cidade oferece.



- Beleza e frieza de Amsterdam

                Perdoemos os americanos e suas padronizações: a beleza também é padrão em Amsterdam. Rostos simétricos, peles lisas e rosadas, olhos claros são o que se vê por toda a parte. A policial, a atendente da loja, a aeromoça, o caixa do mercadinho da estação, todos, em grande maioria, belíssimos. E frios, automáticos, sintomáticos, eu diria, de um clima cinzento.

- Uma noite de “O terminal”

Resolvemos não perder tempo e dinheiro com um hotel para uma noite apenas. Com isso, perdemos mais uma noite de sono, em 18 horas de espera pro voo até Paris. Esta é a segunda noite seguida em que não estendemos as pernas.  Horas e horas de caminhadas pelas lojas caras do aeroporto, pequenas pausas nas cadeiras duras dos terminais de embarque, algumas risadas desproporcionais (o cansaço faz isso às vezes). Finalmente, um cochilo no sofá (confortável, o sofá!) onde agora escrevo tudo isso. Tom Hanks, é nóis!


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                Ah! Em um dos poucos restaurantes que ficaram abertos durante a madrugada, tem música brasileira tocando. 


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